Dormir é necessário para produzir memórias duradouras. Um século de estudo sobre o tema já deixou isso claro. No entanto, não se sabe bem como funciona esse mecanismo. No início, acreditava-se que a função do sono era passiva, desligando os sentidos para que os estímulos externos não interferissem na formação das lembranças. Nos últimos anos, porém, descobriu-se que durante as horas na cama se desenvolvem processos que fixam as memórias.
Quanto ao mecanismo, as teorias às vezes se contrapõem. Uma delas diz que o sono debilita parte das sinapses, as conexões entre células nervosas que ajudam a conservar as lembranças. Nesse sentido, um estudo recente sustenta que esquecer o desnecessário é fundamental para lembrar o importante, como às vezes é preciso jogar fora muitos papéis para conseguir encontrar com mais facilidade os documentos relevantes. Dormir serviria, segundo esta hipótese, para esquecer quase tudo, deixando apenas as memórias fixadas nas sinapses mais fortes.
Uma hipótese alternativa propõe um processo combinado no qual algumas conexões se enfraquecem e outras se reforçam, estas últimas por meio do que se conhece como potenciação de longo prazo (LTP), uma intensificação duradoura dos sinais entre dois neurônios produzida quando ambos são estimuladas ao mesmo tempo.
Agora, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no Brasil, estudou as duas hipóteses medindo em ratos os níveis de uma proteína relacionada com a potenciação de longo prazo durante o sono. Depois, utilizaram esses dados para construir modelos em computador para observar como se formam as conexões entre neurônios durante o repouso.
Seus resultados, publicados esta semana na revista Plos Computational Biology, sugerem que a LTP não só reforça algumas dessas conexões durante o sono como também as reorganiza, favorecendo o surgimento de novas memórias. Segundo os autores, esse mecanismo mostra que as duas teorias sobre o papel do sono na formação de memórias de longo prazo não são excludentes, mas correspondem a diferentes etapas da consolidação das memórias.
Um ciclo completo de sono, de mais de 90 minutos, ajuda a fortalecer memórias adquiridas recentemente
“O estudo indica que ciclos completos de sono, incluindo a fase REM, desencadeiam a potenciação de longo prazo durante o sono, produzindo a reestruturação e o fortalecimento de memórias duradouras”, afirma Sidarta Ribeiro, pesquisador da UFRN e coautor do artigo. Este tipo de resultados corrobora a ideia de que “sestas acima de 90 minutos de um ciclo completo de sono seriam a melhor opção”, segundo Ribeiro, para fortalecer as memórias recém-adquiridas. Diante da ideia de criar um medicamento que produza benefícios semelhantes ao sono, o cientista reconhece que, apesar de algumas proteínas essenciais ao processo de consolidação das memórias terem sido identificadas, “não está claro como aumentar esses níveis”.
Outros trabalhos com ratos mostraram que durante o sono são produzidas mudanças físicas relacionadas à formação de memórias. Uma equipe liderada por Wen-Biao Gan, da Universidade de Nova York, publicou há pouco tempo na revista Science como o aprendizado de uma nova tarefa, caso o animal durma em seguida, leva à formação de novos espinhos dendríticos, estruturas nos extremos dos neurônios que permitem a transmissão de sinais elétricos entre eles. Quando os ratos não dormiam, as estruturas associadas ao aprendizado não se formavam.
Muitas pesquisas tentam agora dirimir as dúvidas quanto ao papel de cada fase do sono, desde o REM, no qual sonhamos com mais intensidade, até a mais profunda, na formação de memórias e, em geral, no aprendizado. No entanto, existe um consenso de que, enquanto dormimos, em nosso cérebro acontecem muitas coisas importantes e que o sono não é, de forma alguma, um tempo perdido.
Além de mostrar a importância do sono na aprendizagem e na formação de lembranças, os cientistas observaram também que não dormir não só prejudica a memória como também favorece a aparição de recordações falsas. Em um estudo publicado na revista Psychological Science, um grupo de pesquisadores dos EUA perguntou a um grupo de 193 participantes quais eram suas lembranças sobre as imagens do voo 93 da United Airlines que caiu na Pensilvânia durante os atentados de 11 de setembro. Apesar de não haver imagens do acidente, os 54% de participantes do estudo que reconheceram ter dormido menos de cinco horas na noite anterior ao ocorrido garantiram tê-las visto. Entre os que tinham dormido mais, apenas 33% tinham essas falsas lembranças.
Em uma continuação da experiência, os pesquisadores pediram aos voluntários que escrevessem um diário com as horas que tinham dormido e outras características sobre a qualidade de seu sono durante uma semana. Depois desse tempo, imagens sobre um crime foram mostradas a eles. Em seguida, foi lido um relato dos fatos que incluía detalhes falsos. Finalmente, observou-se que os 18% dos participantes do estudo que tinham dormido menos de cinco horas incorporaram detalhes falsos, enquanto entre os que tinham descansado bem, apenas 13% o fizeram.
Autor: Daniel Mediavilla
Fonte: El País
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