“O que eu fiz com a minha vida?”, foi pergunta que hoje calou meu sono. E eis a conclusão de inevitável e doída resposta: eu não sei!
Até então fui uma coleção infinda de atalhos e planos “B”, em que os meus sucessos até aqui foram quase todos de improviso. Aliás, eu sou por inteiro um improviso!
Quantas mentiras não criei e não mantive vivas com a ajuda de outras tantas, a preservar precárias e moribundas felicidades?
Sou uma deliciosa ilusão mas que não convence, uma promessa mal cumprida, rascunho genial que nunca saiu de um papel. Só eu sei o que reservei em mim para prosperar jardins e nobrezas, quando pouco me dediquei às sementes.
Hoje, sou um descontente inverno que já soube ser primavera. Além das teorias de liberdade e práticos pecados, a mim me bastam as angústias todas por não-ser, pois tudo me pesa e me condena sem precisar sair do lugar.
E não ter saído do lugar talvez seja mesmo a questão. Dispensei milagres para me satisfazer com cotidianos prazeres. Preguiças, cigarros, amores sem altitude, repetições de um mais do mesmo e zonas de conforto.
Os excessos do corpo, vaidades e fugas da Alma. Eu sou a afirmação do que não acredito, um displicente estado de espera, visto que moro no intervalo entre o que fui e o que busco ser. E até agora, o que eu fiz? Apenas me enfeitei de inconclusões.
Meus sonhos se resumem a uma colcha de retalhos do que me sobrou das vontades e ideias de menino. Sou um casulo de esperanças, mas sem data para estrear. Eu sou um péssimo ator de minhas verdades. Cara e coroa sem decisão, uma sorte em queda livre.
Aguardo inerte e quieto que a Vida me arranque deste eterno sono em que caí, e me enfie goela abaixo alguma rua-sem-saída, uma profunda decepção que me destrua e me arrebate desta espera angustiada que não põe fim a si mesma e então, envergonhado, não consiga manter-me igual, correndo o risco de renascer.
Enquanto isso, sou uma adiada vitória das minhas alturas, navegante orgulhoso de acasos, anestesiada Alma por qualquer distração.
Hoje, peço à Vida ser abençoado e necessário abandono, para que o que restar de mim daqui pra frente seja a minha redenção, para que os amanhãs me acolham e me recebam outro, inteiro. Para que a próxima página esteja em branco e o coração, preenchido. Para que entre os meus erros, esteja também o meu próprio perdão.
Entre os meus apertos, um horizonte em que lá eu honre os meus possíveis. Por isso escrevo, como prece, para acender luz, como pedido de absolvição da minha própria consciência; como pedido de renúncia dos medos que não me traduzem.
Agora é o momento de reaver as asas. Por isso escrevo, como se aqui eu pudesse me confessar e me lembrar do que posso ser quando me sinto livre e amo; e do que posso ser ao me libertar naquilo que escrevo.
Autor: Guilherme Antunes
Intenso, denso texto. Gostei muito desse pedacinho “…visto que moro no intervalo entre o que fui e o que busco ser”…
Excelente busca de si mesmo.
Bem a propósito, do início ao fim…. muito obrigada!
brilhante, brilhante, brilhante!!
Foi como voltar no tempo e rever minha vida…
Parabéns!!!