Em tempos em que a discussão sobre a redução da maioridade penal está em todos os cantos, proponho um outro olhar para este ponto, focando na responsabilidade do sujeito adolescente, diante de seu ato, criminoso ou não.
Neste sentido, não vamos colocar aqui a questão jurídica do fato ‘diminuição da maioridade penal’, mas sim o tema que cabe muita mais à psicanálise, que é a responsabilidade.
Desde o “Mal-Estar na civilização”, a psicanálise de Freud já compreendia a necessidade subjetiva e objetiva das limitações como forma de frear as pulsões, já que sem limite não há possibilidade de convívio social. É preciso barrar o gozo. Proteger o sujeito de si mesmo para que não se aniquile, nem destrua a sociedade.
A incorporação das leis sociais não acontece sem que antes haja a introjeção das leis subjetivas, onde o ideal de eu se confunde com o ser ideal. A posição do sujeito diante da lei do mundo se relaciona com sua posição frente às leis que o constitui.
O sujeito, em sua expressão, já é uma resposta à sociedade e não pode fugir da responsabilidade de ser ele mesmo. Porém, o sentido da responsabilidade como resposta de um si mesmo frente ao ato, não se dá naturalmente ou sem esforço. E o que é foco nesta questão, é a própria condição de sujeito.
A responsabilidade não se delimita ao crime ou à pena. A responsabilidade é uma condição subjetiva onde o sujeito é convocado a responder sobre sua posição e, neste sentido, sobre suas escolhas e suas culpas.
Lacan, em “Introduções teóricas às funções da psicanálise em criminologia”, observa a responsabilidade necessária para a expiação, sendo possível somente ao sujeito que assente a culpa, mas não somente como condição jurídica ou moral, e sim como necessidade subjetiva.
Ainda que a constituição subjetiva e a formação do sujeito sejam pensadas como construção social e associação de significantes, não podemos simplificar o sujeito a uma condição determinada, onde não haveria espaço para escolha. Se considerássemos, pela psicanálise, uma visão determinista, reduziríamos as condições subjetivas dos indivíduos. Seríamos simplesmente uma linhagem de associações cartesianas que determinariam objetivamente nossos atos e pensamentos. Mas a psicanálise, ainda que considere o determinismo psíquico, não se sustentaria se não subvertesse esse sentido, dando vez e voz ao inconsciente.
Considerar o inconsciente é interrogar a determinação estética e social. O inconsciente é aquele que nos mostra o quanto não estamos disponíveis apenas para uma expressão puramente determinada por variáveis controladas. Ainda que sejamos uma grande construção pautada por elementos que se associam, há sempre um além, que é o que nos torna únicos, individuais, diferentes.
A crença no determinismo social anula o sujeito. Inverte a possibilidade de escolha em determinação objetiva, onde o indivíduo só é aquilo que deveria ser. Sem condição de deslocamento ou de transformação. Indivíduos de uma mesma cultura exerceriam o mesmo pensamento e comportamento, tal qual os filhos criados na mesma casa ou os gêmeos que nunca se separam: todos iguais.
Portanto, aceitar o inconsciente, não é somente acreditar em sua existência, é pois relacionar-se com suas expressões e manifestações e a partir daí tornar-se sujeito. Um sujeito que, por vezes, não se encaixa nos ditames sociais e culturais, que interroga a si mesmo, que se desvia da rotina pelo lapso, e que portanto, pode ser convocado à responsabilizar-se.
Responsabilizar-se tem a ver com a relação que temos com o inconsciente, pois tem a ver com as nossa posição subjetiva. Todo sujeito pode ser responsabilizado, a não ser que sua condição subjetiva deva ser desconsidera, a não que ele não consiga se reconhecer diferente e separado do outro.
Desde a criança que tira o brinquedo de outra, dizendo que lhe foi dado, mesmo que a outra esteja chorando. Até aquele sujeito, independente da idade, que mata outro indivíduo. Cada um, em sua medida de reconhecimento de si, pode responder a partir de seu lugar. Só é possível ser responsável aquele considerado sujeito, que pode responder a partir dessa posição, ao mesmo tempo, não responsabilizar é anular o sujeito.
Obviamente, a sociedade não questiona se alguém é ou não sujeito e quais as condições subjetivas para suas escolhas. Pressupõe-se que há sujeito naquele que exerce sua função de cidadão (a favor ou contra a sociedade). A sociedade pode questionar suas condições intelectuais para reconhecimento do ato, mas ainda assim, não coloca em pauta a subjetividade.
Pensar, então, a responsabilidade do adolescente não se concentra apenas nas questões penais, mas em todas as suas atuações como um sujeito social. É refletir sobre sua constituição subjetiva e sua formação social como interlocuções que, apesar de se pautarem por cadeias associativas, não podem ser reduzidas aos determinismos cartesianos.
O adolescente, considerado sujeito social, agente de escolhas, pode e deve ser responsabilizado, pois só assim sua condição subjetiva se evidencia. Quando damos voz ao adolescente para se fazer presente em suas escolhas sociais, como em suas músicas, roupas, cursos ou voto, estamos dando vazão a sua subjetividade e, obviamente, a sua responsabilidade.
O adolescente não pode ser considerado um ser sem sujeito, sem subjetividade. Não pode ser considerado um objeto social, pois seu próprio movimento não permite. É o adolescente que demanda ser visto, ser “alguém” na sociedade. O adolescente provoca e promove sua inserção social. O adolescente incomoda com seus ritos, seus sons, seus gestos, suas escolhas e por isso nos convida a olhá-lo como sujeito. Não enxergar o adolescente como sujeito, é não recebê-lo na sociedade.
Nesse sentido, não é possível pautar o adolescente como um ser sem possibilidade de responder por suas escolhas, já que são justamente suas escolhas que evocam sua subjetividade. Portanto, é um sujeito que pode responder a partir de sua posição, como adolescente.
A relação com a lei subjetiva (dos valores e da moral) e a lei social (regras e códigos) é também aquilo que expressa essa posição, e por isso pode ser analisada e estudada. Mas jamais desconsiderada ou anulada.
O sujeito é na sua relação com ele mesmo e com o mundo. E o adolescente faz relação, não necessariamente de forma positiva, pois por vezes lhe vale mais a subversão. Mas, ainda que sua escolha seja oposta às regulamentações pessoais ou sociais, há um sujeito que responde por isso. Portanto, o não querer saber (das leis, dos valores, das limitações) não pode ser justificativa para a não responsabilização.
Autor: Elizandra Souza
Fonte: www.sinpesp.com.br
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Perfeito! Melhor texto lido sobre o tema. Responsabilidade é um processo básico na constituição de um sujeito.
Chamar à responsabilidade é uma das melhores e mais bem vindas intervenções que Lacan faz aos ensinamentos de Freud.
No meu entendimento primário, as lições a respeito da culpa e da responsabilidade na obras desses dois gênios, são complementares. Para mim, Lacan não anula a culpa freudiana, porque ela coexiste no sujeito. O salto além é a chamada que Lacan faz para o sujeito assumí-la, porque a ele pretence e apenas ele é responsável por ela.
Acredito que o que o adolescente compreende por responsabilidade está ali ligado ao que lhe é subjetivo, como sugere o brilhante texto, com a necessidade de se saber QUAL é a maneira de informar a este adolescente que, como sujeito, ele deve assumir todas as suas responsabilidades.
Texto hiper esclarecedor!!!!!!!!!!!
Ótimo texto!
Responsabilizar o adolescente e necessário mas diminuir a maioridade penal no Brasil, com o nosso sistema carcerário, e a solução?
Em um pais onde so o pobre fica na cadeia, onde escolas estaduais fraudam o número de alunos para receber mais verbas federais....
A responsabilização e necessária porém sera a redução da maioridade a solução?
Mais cadeias....